A minha história de não saber

            Eu sempre admirei quem tinha certeza do que queria. Ouvia atenciosa às histórias de quem falava sobre como sempre soube que o seu caminho estava na literatura, na engenharia, no direito, na música ou no artesanato. Sempre admirei. Era só alguém me contar como nunca desistiu do que sempre soube que era seu que meu coração pululava de encanto e até orgulho. Aquilo sempre esteve ali na pessoa, ela sempre soube

            Talvez por isso perdi tempo demais (e uso o termo perdi pela falta  momentânea de um que me expresse melhor, mas não acredito em tempo como um material que se perde ou se encontra), enfim, perdi tempo demais me rodeando de certezas… Ou assim pensei que fossem. Eu me orgulhava também de sempre saber o que eu queria, o que também sempre esteve ali, em mim, comigo… Foi assim quando, aos 5 anos, eu decidi ser cantora, aos 7 anos que seria atriz e aos 9 que eu seria, na verdade, cantora, atriz e escritora. Mas é claro que eu sempre sabia.

            Tanto que chegou o ano do vestibular e eu sabia o que eu queria: era Psicologia, ou Jornalismo, ou Artes Cênicas, ou Filosofia. Eu sabia o que eu queria e prestei vestibular para Psicologia… e para Letras. Entrei no curso de Psicologia e já sabia qual era o meu olhar: era a Fenomenologia Existencial… ou a Psicologia Social. Eu sabia o que eu queria e meu estágio curricular eu realizei sob o olhar da Psicanálise. Durante o curso de Psicologia, já que eu sabia o que queria e impulsionada por um chamado que tinha desde a infância, fiz um curso de Iniciação Teatral… E acho que pela primeira vez na minha vida eu admiti: eu não sabia o que eu queria.

            Eu que sempre admirei as histórias de quem sempre soube; que me orgulhava porque sempre estive certa de que estava sempre certa do que queria; que seguia minha intuição feito religião e sempre sabia, sabia que estava sempre no meu caminho e que, por ser meu, era o caminho certo a seguir, eu acabei vivendo a partir daí uma confrontação com o meu próprio caos que, meus queridxs, eu desejo a vocês e não desejo a ninguém – não sei isso também.

            De lá pra cá, deu-se um longo caminho de aceitação diária a cada eu não sei o que eu quero que surgia no meu caminho. Uma vontade de empurrar certeza a todo custo em toda escolha que eu deveria fazer acabou me transformando em um poço de angústias com as quais eu não estava acostumada. E olhe que eu nunca tive certeza realmente, mas achar que eu tinha certeza era o suficiente para me fazer aceitar as consequências das minhas escolhas de peito estufado. Há quem diga que estes são frutos de um sol em peixes na casa 1, não tenho certeza também.

            Como se não bastassem as minhas cobranças para ter certeza, para todos os lugares que eu olhava, havia mais pessoas que, como eu, admiravam as histórias de quem sempre soube. Que se entristeciam quando alguém não tinha certeza, mas logo diziam que tudo bem estar um pouco perdido, porque a sua hora de ter certeza chegaria, é só ter paciência. Você vai saber o que você quer.   O coração ansioso estremecia à sentença enquanto identificava calado que o certo, pelo visto, era mesmo ter certeza.

            Hoje eu conversava com uma amiga quando ela disse (quase) casualmente que eu não sabia o que queria porque eu tinha diferentes pessoas em mim, “não é por fraqueza, mas porque você quer se descobrir”. Acho que nem ela sabe o peso que tirou das minhas costas, o insight que foi se dando em mim ao longo do dia.

                 Eu não preciso ser alguém que sempre soube.

          Sinto que devo dizer que cada descoberta chega para mim como se eu sempre soubesse daquilo mas tivesse apenas esquecido, como que eu precisasse esquecer para aprender com a vida, algo como que adquirido por um inconsciente coletivo que por ventura se torna ciente. E eu tinha esquecido que eu não precisava saber e, principalmente, que não é muito do meu jeito saber, não desde sempre, porque eu gosto é da maleabilidade de que sou capaz.

            O que eu chamava de certezas, na verdade, eram a minha história sendo escrita conforme o meu próprio lápis. Eram a minha fé, a minha intuição, um negocinho ali em mim que não se aquieta e precisa conhecer, desbravar, seguir, mas xeretando as possibilidades tão logo elas me vêm. O que sugere me aprisionar me apavora. Eu quero, e eu tinha esquecido, mas eu sei que eu quero é não me perder na ideia de ter me encontrado. Não se trata de frase de efeito, é o que sempre pulsou em mim, e ao tentar ser a pessoa que sempre soube, eu me vi inteira, corpo e espírito, dormente e formigando, igual à perna em que a gente senta e sente, ao ser impedida de pulsar, pulsando. Esse caos que me angustia é também o que faz meu sangue correr e que me põe a me movimentar.

            Clarice Lispector escreveu que “aquilo que eu ignoro é a minha melhor parte”. Havia de ser! É o que ignoro que me garante a possibilidade de transformação e permite à bolha do que me é conhecido a capacidade de expansão. É eu não saber que faz de mim a pessoa que todos conhecem, que ora é amável, ora é fechada, se por ora agressiva, por outra acolhedora, e tantas outras formas de me manifestar que só dizem para mim do quanto, de fato, eu não estou disposta a ser uma coisa apenas e firmar as ditas certezas que nos enclausuram.

            Não apenas não preciso ser a pessoa que sempre soube como eu não sou e não quero ser. Dar-me conta disto se aproxima de uma libertação – sin Continuar lendo